Foi publicado recentemente um estudo importante na revista médica Journal of the American Medical Association (JAMA) que demonstrou um índice de mortalidade menor em indivíduos comsobrepeso do que em pessoas que possuem um índice de massa corporal normal (IMC). Trata-se de uma revisão sistemática (quando são analisados todos os estudos publicados com um assunto específico) que, embora tenha sido publicada em uma revista médica conceituada, possui alguns pontos que devem ser levados em consideração.
Pontos positivos da pesquisa
- Na pesquisa, foi incluído um número muito grande de trabalhos, originalmente 4142 artigos, dos quais restaram apenas 97, após serem analisados critérios rígidos de inclusão e exclusão.
- Pelo grande volume de trabalhos incluídos, houve avaliação do risco de mortalidade em um número significativo de indivíduos (mais de 2 milhões).
Pontos negativos
Foi utilizada a análise de índice de massa corporal (IMC - medida internacional usada para calcular se uma pessoa está no peso ideal, determinado pela divisão da massa do indivíduo pelo quadrado de sua altura). Alguns trabalhos incluídos no estudo foram realizados com base no peso e na altura informados pelo indivíduo pesquisado e não constatados por um médico, o que pode ter influenciado os resultados. Mulheres jovens, por exemplo, tendem a informar um peso menor e altura maior e muitos idosos não possuem a percepção correta de seu peso e altura com o passar do tempo.
"O risco cardiovascular de mortalidade relacionado ao peso existe, principalmente, com a presença de gordura visceral."
Apesar de ter havido análise de risco de mortalidade por todas as causas, não houve foco no risco de mortalidade cardiovascular. Ou seja: qualquer causa de óbito foi relacionada com o peso, mesmo que não houvesse relação. Por exemplo: uma morte decorrente de um quadro de infarto do coração é muito diferente de uma morte por acidente de carro. Isso pode, de certa forma, ter influenciado nos resultados do estudo.
Também não foi feita a análise de composição corporal (quantidade de massa de gordura e massa muscular, realizada por métodos específicos) ou circunferência abdominal, sendo que o risco cardiovascular de mortalidade relacionado ao peso existe, principalmente, com a presença de gordura visceral.
Um indivíduo com sobrepeso pode ter um percentual baixo de gordura com grande quantidade de massa magra (músculo). Na balança, ele tem sobrepeso (IMC entre 25 e 30), mas sua composição corporal é excelente. Uma ferramenta importante que temos usado no consultório é a análise da composição corporal por métodos como a bioimpedância, por exemplo. Consiste em um aparelho (como se fosse uma balança) que emite uma onda e que, por diferença de condução da corrente emitida, consegue definir qual é o percentual de gordura e o de massa magra de cada pessoa.
Por último, a pesquisa englobou o mundo todo, mas 78 dos 97 estudos foram feitos somente na América do Norte e na Europa, tendo havido uma pequena amostragem de descendência asiática.
A "qualidade" do peso
Por essas razões, é preciso ter cautela na interpretação dos dados. Uma das hipóteses do estudo é que um pouco de excesso de tecido adiposo poderia proporcionar reservas de energia para ajudar no combate a determinadas doenças. Outro ponto a favor seria o fato de que pessoas com mais peso tendem a buscar tratamento médico com mais frequência.
O que o estudo concluiu foi que houve uma menor mortalidade por todas as causas em indivíduos que apresentavam IMC de sobrepeso, mas é preciso questionar o IMC como índice isolado para avaliação de risco, o que não tem sido feito na prática clínica.
De uma forma geral, os endocrinologistas avaliam muito mais a "qualidade" do peso (quanto há de massa gorda e massa magra) do que o valor (somente o número do peso da balança) como parâmetro isolado. Embora mais pesquisas devam ser feitas, podemos afirmar que quanto maior o grau de obesidade, maior o risco de mortalidade por várias causas - e não apenas a causa cardiovascular.
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